quarta-feira, 22 de agosto de 2012

MEU AMOR

Antigo Mercado Modelo do Derby, Recife


Entrei no mercado e logo fui envolvido pela mistura de aromas, cores e burburinho. Gente movendo-se para cá e para lá, atarefada.

A manhã estava quente. Lá fora o sol abatia-se ferozmente sobre tudo que se expusesse na rua apinhada de gente, veículos motorizados de toda espécie e barracas de venda oferecendo toda a variedade de produtos. O cheiro de fruta podre, acumulada na berma da rua, misturado ao de urina, vindo dos becos transversais, impregnava o ar, sufocante de quente, com um odor nojento e insalubre. Mas a populaça apressava-se indiferente; comprando, regateando e apressando-se indiferentemente.

Aliviado por conseguir fugir do inferno da rua, alegrei-me por ver que na primeira banca havia o que procurava. Dirigi-me com simpatia ao vendedor do outro lado do balcão, um jovem aparentando uns 30 anos com bom aspecto.

- Bom dia, meu querido! – saudou-me ele com simpatia, atirando-me um largo e animado sorriso. Eu vacilei, embaraçado com a intimidade, mas sem perder a cordialidade.

Eu indaguei sobre a mercadoria que pretendia e os preços. Ele sempre me respondia com alegria e a mesma intimidade cúmplice de “meu amor”, “meu lindo”,  “meu querido”. Os seus olhos brilhavam de simpatia e o meu amor-próprio coruscava, lustrado pelos seus epítetos sedutores. Claro que eu não iria deixar de comprar o que quer que ele me quisesse vender.

Depressa o espanto se diluiu perante a realidade. Afinal eu estava noutro continente, entre as gentes dum outro povo, com hábitos e posturas bem diferentes daquelas com que toda a vida convivera. Logo percebi que seria muito mais fácil viver sendo apaparicado, mesmo que verbalmente, por quem se cruzasse no meu caminho.

E foi com um tímido “Tchau, meu querido!” que arrisquei meu primeiro envolvimento com esse à vontade no trato, que tão bem me sabe ao ego e amor-próprio. 

1 comentário:

Serginho Tavares disse...

ainda bem que ficou só nisso! rs
de qualquer forma, as pessoas por aqui não vão além dessa intimidade verbal...

adorando estas crônicas!