sexta-feira, 26 de abril de 2013

UNION



De várias partes se forma um todo.

Chama-se “Union” (União) e muito justamente, pois é uma reunião debaixo da liderança dum produtor que eleva a sua vontade acima de tudo e todos, manipulando o resultado final dum trabalho que parece colectivo, mas não o é.

Porquê tantos músicos de estúdio (20), quando estiveram presentes nas gravações  TODOS os membros históricos da longa história dos Yes? A resposta é simples; por que “Union” não é um disco dos Yes, mas um disco de Jonathan Elias, que o produziu.

Com a editora querendo apenas um disco duma banda, cujos músicos se encontravam em duas formações distintas da mesma - com os vários componentes gravando por aqui e por ali e ainda com projectos e compromissos de carreiras a solo - a tarefa não era fácil e prestava-se à livre iniciativa dum produtor ambicioso esperando a oportunidade para fazer grande.

Assim foi tomando forma o projecto “Union”. O álbum que começou por ser gravado por Anderson, Bruford, Wakeman and Howe no sul de França, acabou completamente reformulado a partir de demos e uma lista enorme de músicos de recurso, em vários estúdios de gravação de Nova Iorque e Los Angeles.

O resultado foi tão escandaloso que o próprio Rick Wakeman ao ouvir o disco, depois de publicado, questionou: “Onde estão as partes que eu toquei e gravei?” Enfim, algumas delas simplesmente tinham sido preteridas em favor de fugazes aparições de teclistas de estúdio, anulando assim o efeito filigrana que Wakeman e Howe produziam em simultâneo e que tanto caracteriza as suas participações na banda. O que Elias queria era um som mais duro e pesado, ao gosto do público americano. O requinte melódico dos britânicos não servia os seus intentos comerciais.

Acontece o mesmo com as execuções de Howe, num tema de sua co-autoria, em que o seu virtuosismo nas guitarras foi ignorado e substituído pela execução de vários guitarristas de estúdio com um som bem mais pesado e menos melodioso.

“Union” é um álbum quase monumental e com excelentes momentos musicais, principalmente devido à grande qualidade dos autores/compositores mas, por vezes, tem pouco a ver com a sonoridade dos Yes. Um álbum musical a dois tempos, como se fosse a união (e na verdade era) de dois discos distintos. Um produto híbrido.

Depois de muito procurar e ler, consegui perceber porque, ao ouvir este disco, me sinto como atirado contra uma parede, ao invés da sensação de jogado ao alto para planar nas alturas, tal como quando oiço outros trabalhos da banda. Este é um muro de som áspero e agressivo.


Com um grupo de músicos destes, quem necessita de músicos de estúdio?

domingo, 7 de abril de 2013

DIA DORMENTE (RAPAZES E CAVALOS)



Ele sentou-se no selim e deu arranque no motor. Engatou a primeira e a moto disparou rua afora.
Vestia uma roupa vermelha e azul, as cores da empresa de distribuição de bilhas de gás doméstico. A sua tez era negra. Bem negra. Jovem, ainda não completara vinte anos. Semblante cerrado, mas sereno.

Deixou atrás de si um enlevo de juventude e sensualidade, como se o dia se justificasse pelos pequenos momentos de fugaz beleza que nos é dado vislumbrar. Nos interstícios das pregas da rotina. E com o perder de vista entre muros e paredes, ficou o vazio, o silêncio da modorra estéril da existência num bairro de periferia.

O dia estava mole. Dormente. Alongando-se na habitual pasmaceira contagiante. Tudo mergulhava numa quietude que não era, pois o rumor abafado da cidade se afirmava omnipresente. Pesado. Contínuo.

...

Da quietude irrompeu o tropel de cascos galopando na rua de terra batida. A garotada adorava atiçar os cavalos e vir à desfilada pela rua fora, aproveitando a pacatez do bairro. Passavam em revoada, entre risos e gritos. Muitos gritos.

O olhar fogoso e desvairado das pilecas aterrorizadas, denunciava como eram muito mal tratadas. Ficava evidente no aspecto muito descurado; magros, feridos, pêlo baço e sujo. Dava dó ver, como depois de tão maltratados, os animais continuavam obedecendo submissamente aos caprichos da moçada em desatino.

Desde bem pequenos os moleques se acostumavam a deambular trazendo na mão um raminho verde desfolhado, fino e flexível, como se duma chibata se tratasse, para castigarem os animais. Vergastavam o ar, fazendo sibilar o ar com evidente gáudio extasiado, de quem acha que se faz homem. Para essa gente rude, homem é sinonimo de brutalidade. Homem é ser macho e macho é ser bruto.

Mas para a molecada tudo era uma animação desbragada, quase histérica. A algazarra ia e vinha. Rua abaixo, rua acima.

...

Depois os rapazes foram embora. Foram com as suas famílias. Mudaram de bairro. E com eles foram os cavalos, a gritaria e as galopadas. Agora restam os rapazes das motos e bicicletas entregando bilhas de gás e garrafões de água. E o Júnior...